Pesquisadores da saúde apontam caminhos para formar, atrair e fixar profissionais no SUS

Há uma grave crise de formação de profissionais com qualificação para a Atenção Primária à Saúde (APS), que busca acompanhar os pacientes longitudinalmente, de modo abrangente, em equipe multidisciplinar, valorizando a pessoa e respeitando seu contexto sociocultural, de acordo com o médico Rodolfo Pacagnella, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Não existem profissionais qualificados para esse tipo de atendimento suficientes nos serviços. De acordo com Luiz Antonio da Costa Sardinha, conselheiro do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CRM-SP), apenas 23,5% dos profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) trabalham com atenção primária.

Foi consensual entre os participantes do Fórum Formação de Recursos Humanos para o SUS: a necessidade e a formação de profissionais para a Atenção Primária à Saúde (APS), realizado nesta segunda-feira (3) na Unicamp, que os médicos precisam ter suporte para serem atraídos e incentivados a manterem-se na APS e no SUS. No entanto, segundo Giovanni Aciole, professor do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), existem três fortes mitos sobre a APS e sobre a Atenção Básica: primeiro, que se tratam de locais de infraestrutura precária de maneira generalizada; segundo, que dispõem de baixa densidade tecnológica; e, por fim, de baixa resolutividade. Aciole afirmou que problemas de infraestrutura existem, mas são pontuais, que o nível tecnológico está de acordo com as necessidades desses serviços e que a complexidade dos casos encontrados nesses espaços exige outra percepção de resolutividade que não pode ser apenas considerada com base no número de procedimentos realizados.

Carina Almeida Barjud, médica de família e comunidade na rede municipal de Campinas, que apresentou informações de pesquisas e trabalhos acadêmicos sobre as perspectivas com relação à APS, destacou que “a precarização de situações de trabalho é um dos principais mantras encontrados”. Para Francisco Mogadouro Cunha, também médico de família e comunidade da rede municipal de Campinas, esse tipo de atendimento é sobrecarregado e subfinanciado e sofre com a expectativa da população pela realização de diversos exames e procedimentos. Os usuários do serviço muitas vezes acreditam que resultados são apenas possíveis com a realização de múltiplos procedimentos e exames, encontrados na saúde privada, mas que não correspondem ao acompanhamento longitudinal e pessoal buscado pela APS.

De acordo com o médico sanitarista Hêider Aurélio Pinto, estudos mostram que os elementos essenciais para a atração e fixação de profissionais na APS seriam: políticas educacionais, principalmente voltadas à educação permanente do profissional; incentivos financeiros, em primeiro lugar a remuneração do profissional; suporte profissional, proporcionando autonomia e estabilidade; e, por fim, políticas regulatórias, como serviços civis obrigatórios, itinerários e carreira. Porém, apontou também para a negligência perante o serviço público e afirmou que “congelar recursos é destruir o SUS”. Como possível solução, Luiz Antonio da Costa Sardinha sugeriu “políticas contínuas e discussão entre as partes envolvidas no processo”, porque “o SUS é constituído continuamente”.

Adelson Guaraci Jantsch, coordenador do Programa de Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, que compartilhou experiências do município carioca, explicou ainda que, na discussão sobre a permanência do profissional da APS, há “confusão grande entre competência profissional e identificação com o paradigma da profissão”.

De acordo com Guaraci, cerca de um terço de todos os profissionais residentes do país está sendo formado na cidade do Rio. Para ele, os grupos de trabalhos e turmas de oficinas organizadas pela Secretaria Municipal da Saúde – que resultaram em mais de 50 oficinas dos mais variados temas de estudo sob o conceito de tutoria – têm proporcionado avanços no aprendizado desses profissionais em formação.

Obstáculos
Em sua palestra, o médico obstetra Humberto Sadanobu avaliou positivamente as experiências da UFSCar, instituição da qual é docente, entretanto, indicou algumas das dificuldades que a universidade encontra. Ele destaca que a escassez de alunos e a longa duração do curso de formação se transformam em obstáculos para o trabalho nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) em uma cidade do porte de São Carlos. Além disso, Sadanobu também explica que existe um grande problema de infraestrutura. Essas unidades precisam de mais espaço, pois a maioria é formada por residências adaptadas para o atendimento. Outro ponto importante, diz Sadanobu, é considerar a demanda de outros cursos da área da saúde pelo mesmo espaço físico para desenvolver suas funções.

Evelyn Inamorato, especialista em saúde da família, trouxe para o debate uma visão sobre interdisciplinaridade na formação, refletindo como as conexões disciplinares se interligam durante a formação do profissional. Ela considera que a formação básica na saúde ainda continua sendo fragmentada e superespecializada, havendo uma distância entre o que se aprende e a prática. Para Inamorato, há interesses políticos e de difusão de tecnologias presentes na sala de aula e no âmbito acadêmico. Segundo a especialista, desde o primeiro dia de aula o estudante deve ter contato com a prática e se envolver com o serviço para que consiga evoluir profissionalmente.

Beatriz Jansen, coordenadora de projetos do Espaço de Apoio ao Ensino e Aprendizagem da Pró-Reitoria de Graduação da Unicamp, discutiu sobre as perspectivas e desafios na graduação em saúde. Segundo ela, o SUS nasceu em uma época de importantes avanços sociais, mas houve marcas negativas resultantes do pouco apoio obtido pelo sistema a partir dos anos 1990. “Nós temos uma condição única no mundo, somos o único sistema nacional de saúde para mais de 100 milhões de habitantes.” Embora haja uma crônica dificuldade de gestão e orçamento, Jansen sugere que há avanços, mas que é preciso, sobretudo, sustentá-los em longo prazo.

Rede Escola
O ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (2011-2014), atual secretário municipal da Saúde de São Paulo, apresentou em sua palestra o conceito da Rede Escola, que a prefeitura paulistana está buscando consolidar com o apoio do conjunto de instituições de ensino presentes na cidade. A capital conta com 470 UBSs, 19 hospitais municipais, entre outros, totalizando cerca de 900 estabelecimentos ou serviços próprios da Secretaria da Saúde, além de contar com 1.400 equipes de Saúde da Família.

Segundo ele, é fundamental para o conceito da Rede Escola o papel da preceptoria, da supervisão e das instituições formadoras. “Muitas vezes quando se discute a Rede Escola se pensa em residência, graduação de medicina e graduação de enfermagem, mas a nossa rede do SUS é fortemente ocupada por estágios de outras categorias, como técnicos de enfermagem”, disse o secretário, informando que atualmente são quase 40 mil estagiários. Na expansão de residência médica, Padilha mostra que, entre 2012 e 2016, foram criadas quase cinco vezes mais oportunidades, totalizando 946 vagas, incluindo 200 em Medicina de Família e Comunidade que não existiam antes desta gestão.

Padilha também explicou que, apesar de São Paulo ser uma capital muito rica, foi a última a aderir ao SUS e tem um histórico de “traumas” na sua relação com o SUS. “Tudo que estamos construindo, buscamos consolidar enquanto modelo, para que seja permanente para a cidade, mesmo com os riscos que sabemos que existem”.

A médica Eliana Amaral, presidente da Comissão de Corpo Docente (CCD) da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, trouxe para o debate a reflexão sobre a visão comparativa entre as competências da formação dos profissionais da saúde no Brasil e no exterior. Para ela, o país registra melhorias gerais no sistema de saúde, apesar de fatores que dificultam esse progresso, mas que são comuns a outros países. “No Brasil temos uma vantagem, que é a construção de políticas de Estado que apoiam as iniciativas.”

No caso particular da formação médica, a professora da FCM destacou que as Diretrizes Curriculares Nacionais de Medicina, de 2014, determinam que 30% das atividades práticas do internato sejam em atenção primária, com foco em Medicina de Família e Comunidade e também em Serviços de Urgências e Emergência. Para Amaral, a formação de recursos humanos tem um papel essencial no fortalecimento e aprimoramento dos sistemas de saúde. Ela aponta o problema da falta de formação de preceptores, sejam da academia ou dos serviços de saúde, como um entrave. “Esse preceptor precisa estar consciente desse potencial, preparado para fazer gestão e supervisão do ensino, mas essa pessoa não recebe isso de nenhum lugar, não aprendeu nem foi formada para isso. Precisamos montar programas.”

O Fórum Formação de Recursos Humanos para o SUS: a necessidade e a formação de profissionais para a Atenção Primária à Saúde (APS) é uma realização do Fórum Pensamento Estratégico (PENSES), com o apoio da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. O PENSES é um espaço acadêmico, vinculado ao Gabinete do Reitor, responsável por promover discussões que contribuam para a formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da sociedade em todos seus aspectos.

 

Fonte: http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2016/10/04/pesquisadores-da-saude-apontam-caminhos-para-formar-atrair-e-fixar-profissionais